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Dororo

O senhor da guerra “Kagemitsu Daigo” (Kiichi Nakai) está a perder a guerra que trava contra um clã rival e, no “Templo do Inferno”, faz um acordo com 48 demónios. Em troca de 48 partes vitais do seu filho ainda por nascer, exige que o seu exército não tenha opositores à altura no campo de batalha. Os demónios concordam, e quando o filho de “Kagemitsu” nasce, cada um dos demónios apropria-se da sua grotesca oferenda. O facto de o acordo ter sido aceite pelos seres infernais não é, como seria de esperar, inocente. Estava profetizado que a criança um dia iria ter o poder de vencer todos os demónios, e estes como é óbvio, não estão nada interessados em que isso aconteça. O bebé é abandonado num cesto, e lançado rio abaixo.

Felizmente para a criança, a mesma é encontrada pelo mágico e inventor “Jukai” (Yoshio Harada). Olhando para ele como o filho que nunca teve, “Jukai” fazendo uso das suas incríveis capacidades, cria próteses e tudo o mais que é necessário para que o rapaz sobreviva. Dotando-o de espadas, entre as quais uma famosa lâmina por ser fatal para os demónios, cobertas por braços protésicos, “Jukai” treina-o nas artes do combate e transforma-o num temível guerreiro. Vinte anos depois, “Hyakkimaru” (Satoshi Tsumabuki), a criança salva por “Jukai”, inicia a sua demanda, de forma a matar os demónios e recuperar as suas partes do corpo originais. E terá em “Dororo” (Kou Shibasaki), uma ladra com um triste passado, a sua mais fiel aliada.

“Dororo” é baseado numa manga de Osamu Tezuka, um dos mais aclamados desenhadores do estilo, tendo igualmente uma profícua carreira no domínio da animação, não fosse o próprio por apelidado do “avô” do “anime”. O sucesso da banda-desenhada justificou a feitura de uma série no longínquo ano de 1969, tendo inclusive dado origem a um jogo de computador para a PlayStation 2, elaborado pela Sega. Chegados ao ano de 2007, “Dororo” mereceria honras de filme com personagens de carne e osso, e é agora desta faceta, naturalmente, que me proponho a dissertar um pouco.

Tem sido posto em causa por alguns conhecidos críticos e fãs do cinema asiático, a própria designação da saga, invocando-se para o efeito que a mesma adoptou o nome da companheira de “Hyakkimaru”, secundarizando desta forma a personagem principal do filme. Julgo que aqui estará patente algum exagero na observação. “Dororo” é uma palavra para descrever um monstro com forma humana, e que é atribuído à rapariga pelo próprio “Hyakkimaru”, atendendo a que a mesma não possui um nome próprio, não quer dizer ou não se lembra. Contudo, a interpretação que faço é que a expressão “Dororo” se aplica ao próprio “Hyakkimaru”, pois ele considera-se, devido à maldição que impende sobre si, como um monstro que aparentemente é humano. E isto é revelado pelo próprio herói que, ao apelidar a rapariga de “Dororo”, reconhece que a designação é mais apropriada para ele.

Pessoalmente, julgo que quando “Dororo” foi realizado, não pretendia se tornar uma obra emblemática do género. Contentou-se em ser mais uma adaptação de uma manga de sucesso, com intuitos propositadamente, para não dizer exclusivamente, comerciais. E efectivamente isto transpira um pouco por toda a película. Como não podia deixar de ser, atendendo à trama que está em causa, os efeitos especiais têm de ditar um pouco a lei. E para ser sincero o mais possível, alguns são de qualidade muito, mas mesmo muito duvidosa, enquanto outros se evidenciam num plano bastante elevado. Como exemplo do menos positivo, escolho o demónio réptil, que parece uma versão pobretanas do “Godzilla” e que é capaz de arrancar algumas gargalhadas devido a ser o mais tosco possível, sem curar do facto de ser evidente que é um homem num fato que faria sucesso numa festa de carnaval decadente. Pelo contrário, o demónio da floresta será passível de se considerar uma criação “CGI” com qualidade, conseguindo impressionar.

As lutas não são nada que nos deixe deslumbrados, apesar do coreógrafo ser o conhecido Ching Siu Tung. Os efeitos especiais pulverizam tudo o que possa ser mais palpável, e apenas se salvam algumas cenas reconduzíveis ao típico “chambara” que se clama por mais, mas que não aparecem assim tanto. O signo do mórbido e do macabro marca fortemente a sua presença. Mas aqui também temos de perceber que, face ao argumento da manga, a orientação não poderia ser diversa. O laboratório de “Jukai”, o pai adoptivo de “Hyakkimaru”, está cheio de partes diversas de corpos, na melhor tradição de “Frankenstein”. O que impressiona mais, é que esses diversos membros pertenceram a crianças em idade precoce, cujo fim chegou devido à calamidade e à guerra. É isto que será a matéria-prima para as próteses. Contudo, devido ao clima “tosco” que invariavelmente grassa por esta obra, o atrás referido não parecerá tão arrepiante como eventualmente sucederia à primeira vista.

Com interpretações aceitáveis dos jovens Satoshi Tsumabuki e Kou Shibasaki, com sinal mais para esta última, e com um entretenimento que não defraudará aqueles que gostam de filmes menos compenetrados, “Dororo” evidencia no fim ser uma obra mediana, com alguns motivos de interesse. Acredito que muitos se apaixonem à primeira vista por “Dororo”, pois trata-se de uma película que causa uma impressão positiva à primeira vista. Mas disseque-se a mesma com algum cuidado e atenção, e inevitavelmente concluiremos que o sucesso de “Dororo” é algo imerecido. No entanto, não se deixem prender pela minha opinião e, principalmente os apreciadores de adaptações de “manga” temperadas com o fantástico e umas pitadas generosas de algum “chambara”, passem os olhos por esta obra e digam de sua justiça.

Como se apercebe pelo epílogo do próprio filme, haverá sequência à história, ou melhor duas. Cá estaremos, se o futuro o permitir, para opinarmos mais uma vez.

Autor: Jorge Soares (shinobi-myasianmovies.blogspot.com)

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