Com o passar dos anos, um fã de anime e manga começa a dar-se conta de padrões perturbadores nos títulos que vai assistindo. Aquilo que no princípio parecia ser um conjunto de técnicas revolucionárias para contar histórias, acaba por se tornar aos olhos do espectador mais assíduo como nada mais de que um conjunto de convenções estáticas das quais quase ninguém tem a coragem de se desviar. O fã descobre que o seu maior temor é fundado: existe uma fórmula!
Não é que a fórmula seja má. O problema é que ela existe. E uma vez que o fã se dá conta dela, já não se consegue abstrair, e irá comparar tudo aquilo que vir aos parâmetros da fórmula estabelecida. Mas não é grave: é conhecido que qualquer estilo artístico, por mais erudito que seja, possui um conjunto de fórmulas que lhes são inerentes… a distinção é feita nas pessoas que distinguem a presença dessas fórmulas, deixando assim de ser simples fãs, e tornando-se “connoisseurs”.
Na indústria de entretenimento, a presença de fórmulas ainda se torna mais óbvia, e mesmo determinante no sucesso de uma obra. Sendo um híbrido de arte e indústria, a produção de anime e manga não escapa a esta sina, e a presença de fórmulas cedo ou tarde se torna óbvia nos cenários, nos temas escolhidos, e sobretudo nos personagens.
Quantas vezes já não vimos um personagem X da série A que nos parece uma cópia a papel químico da personagem Y da série B que vimos há uns meses atrás? Pois é, caros leitores: a este encaixar de traços físicos e psicológicos nos parâmetros da fórmula, chama-se um estereótipo… e é deles que será aqui escrito.
Eis então uma lista dos estereótipos mais óbvios/frequentes encontrados em anime e manga, e alguns exemplos de onde podem ser encontrados. Vão ver que além dos casos dados, encontrarão muitos mais exemplos, e outros estereótipos igualmente berrantes.
Top 5 Estereótipos Masculinos:
– O Relutante: inseguro, sorumbático, por vezes mal disposto. Comporta-se como se tivesse o peso do mundo sobre os ombros, e não estivesse a gostar nada da situação. Afinal de contas, pode-se ser obrigado a salvar o mundo, mas não se pode ser obrigado a gostar disso. Exemplos: Cloud (Final Fantasy VII), Shinji (Evangelion), Akito (Nadesico).
– O Atadinho: ainda mais inseguro que o anterior, particularmente nos seus contactos com o sexo oposto. Porém, ao contrário daquele, tem sempre a sensação de que deve a todos e não consegue pagar a ninguém. Vítima reincidente de abuso físico por parte de mulheres, pequenos animais e objectos inanimados. Exemplos: Keitaro (Love Hina), Keiichi (Ah! My Goddess), Kei (Onegai Teacher).
– O Entusiasta: expansivo, irresponsável, e disposto a atirar-se de cabeça para tudo o que lhe aparece à frente… mesmo que possa morrer por causa disso. Pouco preocupado com as aparências, tem tendência a passar por ridículo devido a uma falta de tacto preocupante. O seu sonho é tornar-se no melhor [inserir profissão ridícula] do mundo e arredores! Exemplos: Onizuka Eikichi (GTO), Hanamichi (Slam Dunk), Naruto (Naruto).
– O Anti-Herói: é muito mau, muito mau, mas no fundo (lá muuuuuito embaixo), tem um coração de ouro. Muitas vezes unido aos bons da fita por motivos de conveniência, o maior medo que tem é que, um dia, passem a considerá-lo também bom! Exemplos: Vegeta (Dragon Ball Z), Inu Yasha (Inu Yasha), Dark Schneider (Bastard!!).
– O Campónio: vindo directamente do interior da Parvónia do Sul, chegou à cidade com um sonho que nem a sua incompetência civilizacional será capaz de suprimir! Dotado de (ou, pelo menos, mostrando) intenções puras, a sua maior dificuldade será descobrir para que serve um bidé. Exemplos: Son Goku (Dragon Ball), Hideki (Chobits), Gon (Hunter x Hunter).
Top 5 Estereótipos Femininos:
– A Passiva: misteriosamente popular entre os fãs, ela vagueia pela série como se nada fosse com ela, implacavelmente impassível a todos os acontecimentos que sucedem em seu redor. A sua popularidade é inversamente proporcional à sua personalidade. Exemplos: Rei (Evangelion), Ruri (Nadesico), Key (Key, the Metal Idol).
– A Odiadora de Homens: qual sexo fraco, qual carapuça! Esta fonte de fogo despeja a energia em excesso sobre todos os homens que encontra à frente, os quais não considera serem mais do que uns idiotas pervertidos. O seu segredo é que só estão à espera de um príncipe encantado que as dome. Exemplos: Naru (Love Hina), Asuka (Evangelion), Akane (Ranma 1/2).
– A Subserviente: nenhuma tarefa é demasiado ingrata para esta eterna aspirante a dona de casa, sempre pronta a atender aos desejos do seu patrão, mestre e senhor. Mas quando alguém se mete no meio desta estranha relação meio-romântica-meio-esclavagista, cuidado… porque debaixo da coelhinha inofensiva, existe uma leoa pronta a defender o que é seu. Exemplos: Belldandy (Ah! My Goddess!), Mahoro (Mahoromatic), May (Hand Maid May).
– A Desastrada: personagem principal por natureza, ela podia ser a vizinha do lado. Não muito inteligente, não muito bonita, atrapalhada todos os dias, sem grandes aspirações na vida, mas com um romantismo acima da média – normalmente manifestado por uma paixão assolapada por um rapaz mais velho. Nunca deixa de ficar pasmada quando é eleita para ser a líder de um grupo de magical girls. Exemplo: Usagi (Sailor Moon), Miaka (Fushigi Yuugi), Sae (Mahou Tsukai Tai).
– A Exibicionista: detentora de certos… *aham*… atributos que a beneficiam, ela não hesita em utilizá-los para proveito próprio, fazendo alvos de todos os homens que a rodeiam – e muito particularmente os Atadinhos (ver acima). Conhecida internacionalmente pelo seu riso estridente acompanhado de mãozinha com o dedo mindinho esticado. Exemplos: Nanami (Shoujo Kakumei Utena), Jura (Vandread), Urd (Ah! My Goddess).
Estes são os mais óbvios – mas tenho a certeza de que os leitores, observadores que são, serão capazes de apontar muitos mais. Quem os descobrir, deve estar à vontade para os enviar à apreciação do autor do artigo.
Toda esta categorização talvez retire um pouco de riqueza às artes que nós admiramos, mas não há que negar que é tudo verdadeiro – e que em última instância, constitui um pouco do encanto do anime e manga que vemos.
Autor:João Rocha