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Children

Depois de Melan & Chory e Tokyo Cosmo trago-vos uma pequena review da curta-metragem animada Children de Takuya Okada que, à semelhança de trabalhos anteriores, se foca no lado mais sombrio do Homem, desta vez na instituição da escola e no modo como a sociedade tende a moldar os jovens.

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Children começa com uma pequena personagem, imóvel e sem emoção, que observa um cão preto ser atropelado por um comboio. O mundo em que este aluno vive é adornado por edifícios cinzentos de dezenas, talvez centenas, de chaminés de fábricas que enchem o céu de nuvens cinzentas.

Ao som da marcha fúnebre de Frédéric François Chopin os alunos encaminham-se para as aulas onde o professor escreve no quadro sem os olhar e, por sua vez, os alunos limitam-se a copiar rapidamente a lição. As crianças são todas iguais, todas com um fecho no lugar da boca, onde o único elemento que permite a sua distinção é um número por cima das suas cabeças.

A aula de educação física consiste num grupo de crianças a jogar futebol que corre de um lado para o outro do campo de forma uniforme e coreografada, marcando golos à vez de modo a que o resultado se mantenha empatado. No final do dia, o professor entrega os testes, todos com 100 valores, uma alegoria ao desejo de educar alunos perfeitos.

Ao regressar a casa, 4483, o protagonista, observa o mesmo cão preto ser novamente atropelado pelo comboio, sem nada fazer, sem mostrar qualquer emoção.

É apenas a meio da obra que começa a existir alguma esperança para as crianças deste universo quando, ao receber o teste, 4483 parece demonstrar algum tipo de sentimento. Parado a olhar o papel relembra os desenhos iguais dos seus colegas e o professor sempre sorridente. 4483 solta um grito surdo, acompanhado pelos seus colegas e por todos os alunos da escola. Pela primeira vez, sentem-se livres.

A rua está agora repleta de alunos de taco em punho que correm num ato de rebeldia. No entanto, curiosamente correm todos para o mesmo lado, espelhando-se tal como acontecera no jogo de futebol e nas aulas. Serão eles realmente livres? Ou permanecerão eles sem um traço que os distinga dos demais?

O cão regressa mas desta vez 4483 não fica imóvel, lançando-se para tentar salvá-lo de uma morte certa. Os dois acabam atropelados. O cão foge e o rapaz aparenta estar morto no chão. Por muito que o personagem mude, o mundo continuará a repetir-se, ignorando o seu sofrimento, tal como o cão se mostra indiferente aos seus ferimentos.

Surpreendentemente 4483 está vivo e dele ouvimos o primeiro som Humano, um riso, contrastando com os sons do giz, das folhas e do comboio que se ouviram até então. 4483 pode estar prestes a morrer, mas está feliz. Finalmente o protagonista conseguira seguir os seus instintos, as suas vontades próprias, está livre, sente-se vivo.

Ao olhar a cidade vemos agora fumo negro, talvez resultado da destruição causada pelos alunos em fúria. Restará alguma esperança para aquele mundo? Ou estará ele à beira do fim?

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Children está repleto de simbologias, de mensagens encontradas nas entrelinhas como, por exemplo, a máscara do professor, a semelhança entre os alunos ou a música que acompanha toda a obra.

A máscara do professor representa a imparcialidade que lhe é pedida, mostrando-se sempre feliz perante a sua profissão e o seu mundo ainda que possivelmente despreze ambos.  Quando os alunos se rebeliam, ainda que a sua expressão corporal mostre que se encontra preocupado e com medo, a sua máscara continua a sorrir. Ele é um ideal que não será quebrado.

A semelhante idêntica entre os alunos, os seus desenhos iguais, mostram a crua realidade de que as suas aspirações e desejos não fogem a um padrão pré-estabelecido por uma sociedade que vive numa cidade sem cor, sem vida. Nem o professor os consegue distinguir, precisando confirmar nas suas folhas quem é 4483 quando este demonstra um comportamento anormal. É uma relação impessoal e mecânica.

Quanto à música, a marcha que esta pressupõe pode ser comparada à marcha que os alunos fazem até à sua própria morte, seja ela por de facto perderem as suas vidas, seja pelo facto da sua sociedade não ter nada para lhes oferecer, autodestruindo-se a cada dia que passa. Não existe vida neste mundo.

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Estamos perante uma sociedade que defende a igualdade aos extremos. Todos são iguais. Não é permitido pensar ou falar, apenas obedecer cegamente. Ninguém deve ser melhor que o outro (daí o jogo de futebol manter-se empatado). Esta ideia pode ser suportada também pela própria música: as crianças caminham para a sua própria morte, para um mundo de cópias, sem emoções ou pensamento.

Ao contrário de outras obras de Okada, Children mergulha sobre uma questão que por vezes nos parece irrelevante, até mesmo invisível, mas que caracteriza a sociedade moderna, confrontando-a com uma veracidade assustadora, onde a igualmente se sobrepõe à individualidade e à originalidade, obrigando o espectador a pensar na sua própria vida e nas suas escolhas.

Escrito por: Ângela Costa

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