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Puroresu

Puroresu (プロレス purofesshonaru resuringu) é a designação normativo-estilística que a luta-livre assume no Japão. Assim, distingue-se esta forma japonesa das outras praticadas no resto do mundo pelo trabalho desenvolvido no ringue como pela mentalidade dos lutadores e do próprio público. No ringue é manifesta a dimensão física do espectáculo (por contraposição à brandura americana), com intensidade e sem contenção, assim como uma utilização pautada de manobras de submissão – revelando uma herança e integração das artes marciais tradicionais japonesas, como o Sumo, Judo, Karaté, que, aliás (e naturalmente), constituem a base de muitos dos praticantes de puroresu.

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Aliada a esta hibridazação de estilos o lutador japonês interpreta o seu papel, e é visto pelo seu público, não tanto como herói ou vilão (novamente contrastando com o estilo americano), mas sobretudo com o intuito de vencer e de proporcionar um bom espectáculo, independentemente dos meios de que se socorre.

Assim, não são comuns as novelas artificiais para criar o interesse nos combates, mas sim e tão só a disputa de títulos, a realização de torneios e, mais do que tudo, a história profissional que os lutadores partilham entre si que se por um lado legitima a questão desportiva, por outro é frequentemente tomada como referência no desenvolvimento da própria estória contada no ringue. A popularidade deste estilo assenta na capacidade de contar e desenvolver uma história complexa dentro do ringue no estilo técnico clássico do catch consubstanciado a uma intensidade e agressividade redobradas que lhes confere a ilusão do realismo. No seu melhor, são combates que ultrapassam os 25 minutos, com o público arrebatado, e em que a lógica permeia todos os movimentos.

De facto, por trás de uma fachada competitiva, muitos dos lutadores assumem um empenho de expressão artística notável, justificando a prioridade em proporcionar bons espectáculos ao público presente (e não a uma produção televisiva), sendo que as vitórias e os títulos vêm sempre por acréscimo. Assim, não são os lutadores que são designados como bons e maus, mas o próprio público, emancipado para tomar as suas decisões, escolhe e apoia os seus favoritos. De igual forma, e salvo muito raras excepções, as personalidades assumidas pelos lutadores situam-se nos limites da normalidade (mas não esquecendo obviamente a sua vertente representativa e de espectáculo), com um discurso e maneirismos perfeitamente compatíveis com outras modalidades de luta.

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As origens da variante deste “desporto” remontam, curiosamente, a um coreano, Kim Sin-rak, adoptado em criança por uma família de Nagasáqui (passando a chamar-se Mitsuhiro Momota). Foi no entanto quando partiu para Tóquio para se tornar lutador de sumo que recebeu o nome pelo qual ficou conhecido, Rikidōzan力道山 (aludindo ao “duro caminho montanhoso”, os 1200 quilómetros que separam Nagasáqui de Tóquio).

O seu combate, em 1957, com o campeão da americana NWA (National Wrestling Association), Lou Thesz, no estádio Korakuen em Tóquio (precursor do Tokyo Dome), em frente a 30 mil pessoas, atingiu um share de 87.0 e, em 1963 com o The Destroyer um share de 67.0 mas com ainda maior audiência total, estimada nos 70 milhões de telespectadores. A isto não será alheio, antes pelo contrário, o contexto de pós-guerra no qual as vitórias do herói nacional frente aos americanos constituíam motivo de orgulho e esperança de superação, assim como prova de vida do Japão na segunda metade da era Shōwa.

Um dos seus alunos, Kanji “Antonio” Inoki, aluno de Rikidōzan, recebeu destaque mundial através do seu combate com o, à altura, campeão mundial de boxe Muhammad Ali na arena Nippon Budokan em 1976, o que constituiu a pedrada no charco do que viriam a ser as mixed martial arts (MMA), tendo sido também mais tarde o primeiro lutador eleito para o Kokkai, o parlamento japonês, como senador (1989-95 e 2013-?). Está assim bem patente como o puroresu adquiriu influência no imaginário japonês, para lá da popularidade dos seus lutadores, assim como criou raízes na cultura popular.

Para lá de tudo isto um dos traços mais distintivos do puroresu é a sua vertente joshi, pela qual se entende a sua versão no feminino. Não só elencam promotoras exclusivas (e não unissexo), cujo público-alvo é o feminino, como ombreiam com os homens na qualidade do espectáculo e popularidade, tendo inclusivamente sido responsáveis pela criação e inovação de muitas manobras (frequentemente das mais vistosas). Infelizmente hoje em dia a cena local não está tão forte como no auge da AJW (All Japan Women’s Pro-Wrestling), quando as The Crush Gals (Chigusa Nagayo & Lioness Asuka), Manami Toyota, Bull Nakano e muitas outras lendas faziam esgotar arenas por todo o Japão. Para uma observação profunda sobre joshi puroresu, nada mais essencial que o fabuloso documentário GAEA Girls.

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Pondo tudo isto de lado, dia 4 de Janeiro regressa o habitual grande evento anual da NJPW no Tokyo Dome, o Wrestle Kingdom 9. Compõe o espectáculo:

1. Battle Royal 15 participantes – ainda por anunciar, deverão conter os lutadores da companhia que não figuram nos restantes combates.

2. ReDRagon (Bobby Fish & Kyle O’Reilly) (c) vs Forever Hooligans (Alex Koslov & Rocky Romero) vs Time Splitters (Alex Shelley & KUSHIDA) vs The Young Bucks (Matt & Nick Jackson) pelo IWGP Jr Heavyweight Tag Team Championship – com oito participantes será certamente loucura garantida, com muitos saltos à mistura. Sem desrespeito pelos demais, os olhos estarão certamente nos ReDRagon e nos anteriores campeões, os Time Splitters. Curiosamente, apenas KUSHIDA, dos Time Splitters, é japonês, evidenciando a diversidade internacional que tem sido uma das bandeiras do puroresu.

3. Bullet Club (Bad Luck Fale, Jeff Jarrett & Yujiro Takahashi) vs Tencozy (Hiroyoshi Tenzan & Satoshi Kojima) & Tomoaki Honma – os Bullet Club têm tido um grande impacto na NJPW e até no resto do mundo, tendo chegado a certa altura a possuir todos os títulos. Tenzan e Kojima já não estão no auge mas entre si têm 6 títulos mundiais, assim como 5 títulos de equipas; já Honma é um dos lutadores mais populares com o público, desempenhando o papel de “underdog” na perfeição.

4. Naomichi Marufuji, Mikey Nichols, Shane Haste & Toru Yano vs Suzukigun (DB Smith Jr, Lance Archer, Shelton X Benjamin & Takashi Iizuka) – o duelo entre Toru Yano, o palhaço da companhia e os Suzukigun é, a esta altura, uma história aparentemente interminável (andamos nisto há quase 2 anos). Será desta que finalmente acaba? De ressaltar que os três companheiros do YTR vêm da NOAH, a segunda maior companhia do Japão, sendo Marufuji o seu actual campeão [a participação de lutadores de companhias diferentes, especialmente em grandes eventos, é comum].

5. Minoru Suzuki vs Kazushi Sakuraba – duas autênticas lendas do MMA japonês prometem resolver finalmente o seu diferendo que dura desde 2012 quando Sakuraba voltou à NJPW. As regras são de MMA e pode-se dizer que a partir daqui o espectáculo vai começar a aquecer!

6. Tomohiro Ishii (c) vs Togi Makabe pelo NEVER Championship. Tomo Ishii tem sido dos lutadores mais subestimados do mundo nos dois últimos anos. Vai defender aqui novamente o seu título conquistado em Outubro contra um ex-campeão mundial e também dos lutadores mais populares no Japão [é presença assídua em programas de gastronomia na Nippon TV, especialmente sobre doces]. Promete ser o combate mais duro da noite!

7. Ryusuke Taguchi (c) vs Kenny Omega pelo IWGP Jr Heavyweight Championship. Taguchi conquistou o título pela segunda vez em Setembro, tendo na altura derrotado o vencedor do torneio anual Best of Super Jrs, KUSHIDA, que o tinha eliminado nas meias-finais. A sua terceira defesa será contra o mais recente membro dos Bullet Club, o japanófilo e espectacular Kenny Omega, que fará também a sua estreia pela NJPW, desde que assinou a tempo inteiro.

8. Bullet Club (Doc Gallows & Karl Anderson) (c) vs Meiyu Tag (Hirooki Goto & Katsuyori Shibata) pelo IWGP Heavyweight Tag Team Championship – os Bullet Club conquistaram o título precisamente no Wrestle Kingdom 8, sendo que irão assim completar pelo menos um ano como campeões. Goto e Shibata, dois dos maiores nomes da NJPW, conquistaram o direito de os desafiar ao terem vencido a World Tag League 2014 no mês passado (tendo derrotado precisamente os Bullet Club na final). Será o autêntico tira-teimas, sendo de esperar que Goto e Shibata confirmem a promessa de sucesso que carregam há já tantos anos.

9. AJ Styles vs Tetsuya Naito – apesar de não estar nenhum título em jogo estão aqui dois dos mais espectaculares lutadores que a companhia tem para oferecer. Styles, que perdeu o título mundial para Hiroshi Tanahashi no King of Pro-Wrestling em Outubro, irá então defrontar Naito, o homem que acabou por substituir como “número 4” na hierarquia da companhia. Sem dúvida que uma vitória para qualquer um deles os irá aproximar novamente do ouro.

10. Shinsuke Nakamura (c) vs Kota Ibushi pelo IWGP Intercontinental Championship – 2014 foi um grande ano para Nakamura, com memoráveis combates com Kazuchika Okada na final do torneio G1 Climax, Katsuyori Shibata no Invasion Attack e os três clássicos com o seu rival de longa data Hiroshi Tanahashi (incluindo o main-event do Wrestle Kingdom 8), tendo elevado o estatuto do título intercontinental para muito próximo do mundial em termos de importância. Kota Ibushi, sem dúvida um dos melhores novos talentos da companhia e futuro da companhia a par de Okada, terá tarefa difícil. Mas uma vitória seria o seu maior feito desde que abandonou a categoria Jr Heavyweight e passou a competir com os pesos-pesados. De qualquer das formas, com ambos os lutadores conhecidos por um estilo irrequieto e intenso o combate será certamente imperdível.

11.Hiroshi Tanahashi (c) vs Kazuchika Okada pelo IWGP Heavyweight Championship – no que será a sexta edição deste clássico dos tempos modernos, Hiroshi Tanahashi, que tem sido a face da companhia nos últimos 10 anos (e que ao derrotar AJ Styles em Outubro se tornou no recordista de títulos da companhia, com 7 reinados [sendo também recordista em número de defesas do título e de dias como campeão], assim como MVP de 2014 segundo o diário Tokyo Sports 東京スポーツ] enfrentará aquele que para muitos é já o melhor do mundo, Kazuchika Okada que, aos 27 anos (e ainda o benjamim da companhia), após ter ganho este ano o mais importante torneio anual, G1 Climax (pela segunda vez na carreira) ganhou o direito de o enfrentar. Os combates tidos entre estes dois lutadores foram todos de primeiríssima água e são directamente responsáveis pela (re-)elevação gradual da NJPW no Japão e no mundo. Ainda que Tana não mostre sinais de abrandar é em Okada que reside o futuro e o desfecho deste combate certamente deixará o derrotado em maus lençóis.

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Porque é agora uma boa altura para começar a ver puroresu? Primeiro, este evento será transmitido, pela primeira vez, em PPV tradicional nos EUA e RU (até agora, pelo menos) e com comentários em inglês por aquele que é tido como o maior relatador da especialidade, o ex-WWE Jim Ross. Para além disso, depois de anos dificeis, o puroresu está em alta quer no Japão, quer no resto do mundo, sendo que este ano tem havido, no Japão, um aumento crescente das lotações dos espectáculos, e até aumento das publicações especializadas e, no resto do mundo, uma tournée na América do Norte este ano, lojas de “merchandising” nos EUA e Europa, uma página de Facebook oficial em inglês e a contratação e estreia de uma das maiores estrelas japonesas (Kenta Kobayashi aka KENTA aka Hideo Itami) pela WWE.

Também, desde 1 de Dezembro, foi lançado o serviço de stream da NJPW, o NJPW WORLD, com acesso a todos os eventos presentes (incluindo obviamente o Wrestle Kingdom 9) e passados, com um custo de ¥999 por mês (cerca de €6,81; informações como aceder aqui: http://enuhito.com/51968083.html ; é esperada uma versão em inglês em breve).

E, por fim, porque é um espectáculo único, com luz, cor, música, drama e emoção, retrato fiel do Japão moderno e antigo. Mais do que os outros eventos mensais é no Wrestle Kingdom que a NJPW nos traz os melhores combates, com as entradas mais espectaculares, incluindo convidados especiais e outras surpresas. Ano após ano, imperdível.

Escrito por: João Mota

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